Ruth Costas - BBC - 24/06/2014
Nos anos 80, o Brasil e a Coreia do Sul tinham índices de produtividade semelhantes.
Hoje, o que um coreano produz em um dia, um brasileiro produz em três, segundo dados da entidade norte-americana de pesquisasConference Board.
"O Brasil e outros países da América Latina precisam olhar urgentemente para experiências de países de fora da região se quiserem impulsionar seus índices de produtividade," disse Carmen Pagés, especialista em mercado de trabalho do Banco InterAmericano de Desenvolvimento (BID).
"Há experiências muito valiosas em países como a Coreia e a Austrália que poderiam ajudar os brasileiros principalmente a alinhar os conhecimentos e habilidades desenvolvidos em seu sistema educacional ao que as empresas precisam para produzir mais e melhor," completou.
"Pela primeira vez na nossa história falta mão de obra - o que nos obriga a aproveitar nossos trabalhadores de forma mais eficiente", diz Hélio Zylberstajn, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP).
Em um evento promovido pelo BID em São Paulo especialistas apresentaram estratégias que poderiam inspirar o Brasil e outros países latino-americanos em sua busca por mais produtividade.
Os especialistas ressaltam que não se tratam de experiências que poderiam ser implantadas automaticamente por aqui, mas soluções que podem ajudar o país e a região a encontrarem respostas originais ao problema do ajuste das habilidades dos trabalhadores às necessidades das empresas:
- Valorização e flexibilização do ensino técnico
- Sistema de certificados
- Educação nas empresas
- Esquemas de aprendizagem
Para Carmen Pagés, do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), a falta de trabalhadores de formação técnica é hoje um dos fatores que afeta a produtividade na América Latina.
Segundo ela, países como a Coreia do Sul, a Austrália, o Canadá, a Nova Zelândia, a Alemanha e a Suíça, que integraram "perfeitamente" o ensino técnico em seu sistema educativo estão entre os que melhor conseguiram alinhar a formação dos trabalhadores às necessidades das empresas.
"Nesses países o sistema é muito flexível", diz Pagés. "Você pode passar do acadêmico ao técnico e do técnico ao acadêmico com facilidade e há mais integração entre esses dois ramos - o que ajuda a evitar o estigma em relação ao ensino técnico que existe no Brasil, além de reduzir o problema do 'isolamento' dos ambientes acadêmicos do mercado."
Pagés diz que na Suíça algo em torno de 60% dos estudantes do ensino médio optam pelo ramo técnico.
"Eles sabem que se quiserem trabalhar, isso lhes dará mais possibilidade de inserção no mercado, mas também sabem que se, depois disso, resolverem voltar para a sala de aula para seguir o ramo das ciências humanas, ou debater aspectos teóricos ligados a sua profissão, por exemplo, a transição será simples."
Na Austrália, os estudantes podem transferir créditos dos cursos técnicos da chamada Technical and Further Education Commission (Tafe) para os cursos de universidades regulares, o que permite uma combinação entre os dois tipos de ensino.
"As pessoas nos procuram em qualquer etapa de sua vida profissional: temos cursos para quem tem 18 anos e para quem tem 40 e quer ampliar suas possibilidades profissionais", explicou à BBC o australiano Peter Holden, diretor da Tafe.
O ensino técnico começou a se expandir na Austrália nos anos 70. Nos anos 90, foram feitos ajustes para garantir que os conteúdos dos cursos atendiam a demanda das indústrias locais (até então o foco do sistema era seu papel social).
"Nós passamos a conversar mais com as empresas e, como alguns de nossos professores foram trazidos da indústria, eles também se encarregaram de nos manter informados sobre quais conhecimentos e habilidades são requisitados," concluiu Pagés.
Sistema de certificados
Para tirar uma carteira de motorista é necessário fazer um teste de direção. Se mostrar que sabe dirigir, recebe o documento, se cometer muitos erros não recebe.
Na Coreia do Sul, um sistema de certificados nacionais para o ensino técnico parece funcionar de uma maneira semelhante, como explicou Joon-Chul Eom, do Ministério do Emprego e Trabalho da Coreia do Sul.
Os candidatos fazem uma série de provas orais e escritas após comprovar que têm experiência prática ou estudaram determinada área. Se passarem, recebem certificados nacionais que atestam suas habilidades e conhecimentos específicos.
Um trabalhador pode ser certificado em gastronomia coreana, por exemplo, outro em serviços de engenharia elétrica ou mecatrônica. As provas são rígidas e os índices de aprovação podem ser de apenas 10% em alguns casos.
No caso do ensino técnico, a certificação fica a encargo do Ministério do Trabalho, mas também há certificados para as profissões de nível superior, que são em geral administrados por outros ministérios.
O sistema é uma forma de garantir e padronizar a qualidade dos profissionais formados no país, facilitar a busca e a colocação no mercado de trabalhadores com habilidades específicas e ao mesmo tempo estimular os coreanos aprimorarem suas habilidades - uma vez que elas podem ser formalmente "reconhecidas".
É claro que há críticas. Um estudo da OCDE de 2012, por exemplo, defendia que as certificações de ensino superior seriam uma "duplicação desnecessária", uma vez que os alunos já seriam avaliados em sua instituição de ensino.
"Trata-se de um sistema interessante e que mereceria ser estudado mais a fundo, embora no Brasil acho que seria impensável implantar algo nessa escala", diz Hélio Zylberstajn, da USP. "Quem ficaria encarregado dos certificados?"
Educação nas empresas
O australiano Peter Holden, da entidade governamental Tafe, diz que em seu país uma das experiências mais bem-sucedidas na área de formação do trabalhador são as parcerias com empresas para o fornecimento de cursos dentro do ambiente de trabalho.
"Há cursos em áreas específicas ou de formação mais básica. Algumas empresas nos indicaram um grupo de funcionários que gostariam que recebessem noções de aritmética, por exemplo", diz Holden.
O esquema é financiado conjuntamente pelo governo e as empresas.
"Muitos trabalhadores viram seus trabalhos mudarem completamente em função da adoção de novas tecnologias - e esses esquemas não só aumentam a produtividade das empresas, mas também evitam que sejam demitidos e aumentam suas chances de uma promoção," acentuou.
Para Zylberstajn, os esquemas de treinamento dentro das empresas estão entre as experiências que mais poderiam ser aproveitadas no Brasil.
"Um dos problemas do nosso ensino técnico é que as instituições de ensino e o setor privado conversam pouco, então o que os alunos aprendem na sala de aula nem sempre é válido para o mercado", disse o economista.
Silvani Pereira, do Ministério do Trabalho e Emprego, concorda que é preciso fazer avanços nessa área: "O treinamento do trabalhador dentro da empresa contribui para promover ganhos de produtividade já que o alinhamento entre o que é ensinado e o que as empresas precisam é perfeito. Além disso, tal sistema contribui para uma redução da rotatividade dos trabalhadores."
Esquemas de aprendizagem
Nessa área, a Alemanha parece ser, de longe, o grande modelo. Lá os jovens têm a possibilidade de aprender um trabalho dentro de um programa de aprendizagem conforme cursam o ensino fundamental.
Os alunos dividem seu tempo entre as escolas e as empresas, onde são orientados por um profissional mais experiente para aprender um entre os 344 ofícios oferecidos pelo programa. Eles recebem um salário e, ao finalizar o curso, têm a opção de seguir a carreira na área.
Segundo Geoff Fieldsend, do British Council, esse é um dos muitos esquemas adotados para melhorar a questão da empregabilidade dos jovens, mas seus resultados ainda precisam ser avaliados.